.:: o fantástico destino de lady mi - parte 3 ::.

"Posso escolher entre ser constantemente ativa e feliz ou introspectivamente passiva e triste. Ou posso ficar louca, ricocheteando no meio" Sylvia Plath

sábado, março 31, 2007

Vestígios - André Brasil

Ponta de cigarro. Nota de rodapé. suspiro. Sussurro. Foto 3 x 4 na carteira. Passos. Latidos à noite. POR TODA A PARTE: Zumbido de pernilongo. Parafuso enferrujado. Embalagem de Mentex. Macha de catchup. VESTÍGIOS: Anúncio de classificados. Olhar dissimulado. Ato falho. Arrepio. Pipa na antena de TV. Estilhaço de bomba. Dança da chuva. Casca de cigarra. Jogo de futebol no radinho de pilha. Tinta de jornal. Mãos frias. Raio X. Rua sem saída. Som do mar dentro da concha. Recado na porta da geladeira. DNA. Clips. Disco arranhado. Paisagem na janela do trem. Chicletes debaixo da carteira. Fósforo riscado. Rastro de lesma. RELEMBRAR O FUTURO. Fiapo de manga. Batida na porta. Pressentimento. farelo de pão. Lenço Yes. Durepox. Cabelo no pente. Cheiro de café. Pagada de siri. Voz embargada. Marca de durex em livro velho. Barba mal feita. Dinheiro antigo. Mosca na sopa. telefone no guardanapo. Revista na sala de espera. Computador de tela verde. Interruptor de luz. Gagueira. Casca de machucado. castelo de areia. PREVER O PASSADO. Telefone ocupado. Televisão fora do ar. Arma do crime. Quebra-cabeça incompleto. Estrela cadente. Teia de aranha. Dor na coluna. vertigem. Silêncio. Pulo do gato. Rugas. Flashback. Rasura. Xerox. Buraco da fechadura. Dizzioli. Mágoas. pipoca no canto do sofá. POR TODA A PARTE: VESTÍGIOS. RELEMBRANDO O FUTURO E PREVENDO O PASSADO.
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Arrumando as minhas coisas, acabei de me mancar: você saiu sem deixar vestígios...

terça-feira, março 27, 2007

"No man is an island, entire of itself
every man is a piece of the continent, a part of the main
if a clod be washed away by the sea,
Europe is the less, as well as if a promontory were,
as well as if a manor of thy friends or of thine own were
any man's death diminishes me,
because I am involved in mankind
and therefore never send to know for whom the bell toll
sit tolls for thee."
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Uma pena que algumas pessoas acham que são ilhas e que suas "facetas" não têm consequências...
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ainda bem: malas quase prontas e um puta hematoma na coxa!
"Entretanto, as chamas abrandaram-se, seja porque a provisão se esgotasse, seja porque a acumulação fosse muita. Extinguiu-se o amor, pouco a pouco, pela ausência; à saudade sucedeu o hábito; e aquele clarão de incêndio que lhe ruborizava o céu desmaiado se cobriu de mais sombra e desapareceu gradativamente. No meio do entopercimento da consciência, ela tomou sua aversão pelo marido como sendo aspirações para com o amante, o queimar do ódio pelas efervescências da ternura; mas, como o furacão soprasse constantemente e a paixão se consumisse até as cinzas, sem que socorro algum lhe viesse, nem um sol lhe aparecesse, fez-se de todos os lados noite cerrada, e ela se viu perdida no frio intenso que a transpassava."

Flaubert

segunda-feira, março 26, 2007

... o fim é o começo do fim...

If You Leave

If you leave, don't leave now
Please don't take my heart away
Promise me just one more night
Then we'll go our separate ways
We always had time on our sides
Now it's fading fast
Every second every moment
We've gotta make it last

I touch you once, I touch you twice
I won't let go at any price
I need you now like I needed you then
You always said we'd still be friends someday

If you leave, I won't cry
I won't waste a single day
But if you leave, don't look back
I'll be running the other way
Seven years went under the bridge
Like time was standing still
Heaven knows what happens now
You've gotta say you will

I touch you once, I touch you twice
I won't let go at any price
I need you now like I needed you then
You always said we'd meet again someday

day, day, day

I touch you once I touch you twice
I won't let go at any price
I need you now like I needed you then
You always said we'd meet again someday

(ha, ha, ha, ha, ha)
If you leave
If you leave
Don't look back
Don't look back

domingo, março 25, 2007

De repente, você descobre que sua vida inteira mudou. Tudo bem, o cheque sem fundo está querendo te dizer que você é sim uma maluca-compradora-compulsiva, mas o resto vai tudo bem. Além do mais, como resistir a uma bolsa laranja da Maria Bonita Extra (aliás, como resistir a Maria Bonita Extra???).
Minhas duas últimas semanas na "Terra" não estão infestadas de noitadas em inferninhos com direito a pernoite no posto de gasolina e sexo com uma pessoa que não gosta de mim. Finalmente consegui me livrar de um círculo vicioso que não me levava a lugar nenhum e que, no geral, não me trouxe nada de bom.
Sexta fui na inauguração d´Obar. E sentada na mesa sozinha pensei que não vou sentir saudades daqui. Esses meses fora vão me dar mais clareza e equilíbrio, emocional e financeiro. Vou sentir falta dos meus amigos que, perto ou longe, vão sempre continuar amigos. Mas não vou ter saudades da lama.
E, tomando minhas cervejas de 600ml, senti falta de você, a quilometros de distância, mas a um interurbano de alcance. Bom ter você de volta. E bom saber que você também acha bom eu estar de volta...
Tenho passado grande parte do meu tempo com a minha mãe. Assistimos todos os seriados que passam na TV a cabo, de segunda à sábado. Fiz até uma planilha pra ela não se perder quando eu não estiver aqui: nova temporada, velha temporada, reprises. De segunda à sexta, das sete às onze da noite, temos programas pra ver.
Minhas amigas estão casando, eu inclusive organizei um chá de panela, coisa que nunca nem imaginei que fosse fazer... e uma outra amiga quer ajuda pra organizar o chá de bebê da irmã. Quem diria que eu seria uma "promotora de eventos de adultos"?!
Daqui a pouco, vou ao aniversário da Mari, de um ano. Agora também tenho amigas mães...
Estou achando bom ter deixado de ser a menina porra louca que briga na porta da Obra por causa de um idiota. Sem barracos, sem feira, sem telefonemas de madrugada. Bom não ser mais uma bêbada no posto de gasolina que continua bebendo até a hora do almoço e que acabava esquecendo que a felicidade não está no fundo da garrafa. Bom ter me livrado de você e de tudo de ruim que vinha junto.
Estou feliz de ter 26 anos de idade, com uma conta bancária de 26 anos de idade e problemas, surpresas, relacionamentos, amigos de 26 anos de idade...
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obs:. Marina, eu não fiquei chateada com sexta, ok?! A gente combina um dia mais tranquilo pra gente fofocar.
Nada contra quem gosta da lama. Eu só estou muito feliz de não fazer mais parte disso!
Na Sua Estante

Te vejo errando e isso não é pecado
Exceto quando faz outra pessoa sangrar
Te vejo sonhando e isso dá medo
Perdido num mundo que não dá pra entrar

Você está saindo da minha vida
E parece que vai demorar
Se não souber voltar ao menos mande notícia
Cê acha que eu sou louca
Mas tudo vai se encaixar
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu

Você tá sempre indo e vindo, tudo bem
Dessa vez eu já vesti minha armadura
E mesmo que nada funcione
Eu estarei de pé, de queixo erguido
Depois você me vê vermelha e acha graça
Mas eu não ficaria bem na sua estante
Tô aproveitando cada segundo
Antes que isso aqui vire uma tragédia

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu

E não adianta nem me procurar
Em outros timbres, outros risos
Eu estava aqui o tempo todo
Só você não viu

Só por hoje não quero mais te ver
Só por hoje não vou tomar minha dose de você
Cansei de chorar feridas que não se fecham, não se curam
E essa abstinência uma hora vai passar...

quinta-feira, março 22, 2007

Desce desce...

CACHAÇA NÃO É ÁGUA NÃO
Autoria: Mirabeau Pinheiro, L.de Castro e H.Lobato

Se você pensa que cachaça é água?
Cachaça não é água não,
Cachaça vem do alambique,
E água vem do ribeirão.

Pode me faltar tudo na vida,
Arroz, feijão e pão,
Pode me faltar manteiga,
E tudo mais não faz falta não.

Pode me faltar amor,
Disto até acho graça,
Só não quero que me falte,
A danada da cachaça. (1953)

segunda-feira, março 19, 2007

Sexta-feira passada tinha decidido resolver um problema de uma amiga que eu achei que ela estava sem jeito de resolver. Mandei um e-mail pra ela explicando que eu entendia ela ter tomado partido na separação de bens, que não tinha problema, que eu sabia que com esse negócio de não estar saindo era mais fácil pra ela, enfim, eu achava que ela não queria mais ser minha amiga, mas não queria que ela ficasse sem graça de deixar de ser... Hoje recebo um e-mail falando que ela gosta de mim mesmo eu sendo problemática...
Às vezes esqueço como tenho sorte...
E agora com os dias contados, arrumando o que me interessa levar me pego pensando:
- Que bom que eu pude fazer um chá de panela pra uma amiga minha cuja a madrinha (que é quem geralmente organiza esses eventos) deixou ela na mão;
- É ótimo ter uma amiga que anima de ver "A Casa do Lago" num domingo à tarde, ou sentar do meu lado em "Tudo acontece em Elizabethtown" e morrer de rir do tanto que eu sou chorona;
- Muito muito bom ter uma amiga que mesmo em outro estado passa o dia inteiro trocando e-mails comigo e confabulando se a gente trabalha mesmo ou se estamos num zoológico;
- Não só tenho uma amiga que me ensinou a andar de salto, como ela me emperuou e me incentivou a investir mais dinheiro em peças melhores (e me apresentou meu novo vício: a Maria bonita Extra);
- e a fofa que sempre que viaja pra Sampa traz uma lembrancinha pra mim: presilinhas de oncinha, touca de banho de cerejas, telefones de putas com meu nome...
- tenho uma amiga que desbancou da casa dela pra me salvar no dia do vômito verde e entendeu que não dá pra sair de SAMU!!!
- ou que quando está num puta porre e fez uma merda enorme corre pra sua casa pra te contar e beber mais ainda (e sem reclamar de ter que ouvir Beyonce);
- tenho uma amiga muito muito inteligente, muito muito cabeção, que só me chama pra ver filme díficil e que achou que eu ia ter paciência pra ler Proust nessa vida (mas ela está brava comigo nesse momento);
- tenho uma amiga que até a filha dela de onze meses e 28 dias é minha amiga (com direito a convite para a festa e beijinhos na bochecha);
- tenho amiga do trabalho, tenho amiga da faculdade, tenho amiga da pós, tenho amiga de copo, amiga de balada, amiga-irmã e amigas pra vida toda...
- e, é claro que eu não ia esquecer que tenho ótimos amigos moços que me embebedam e me escutam falando merda madrugada a dentro...
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e tem um moço que eu amo muito e que me amo muito também e que eu só percebi isso sete anos depois de constantes petelecos no meu nariz...

quarta-feira, março 14, 2007

às vezes eu esqueço a sorte do caralho que eu tenho...

sexta-feira, março 09, 2007

Pois é Srta. Cafeinha-Carolina,
Como já diz minha amiga Beyoncé:

"To the left, to the left
To the left, to the left
To the left, to the left

Everything you own me in a box to the left
In the closet, thats my stuff
Yes, if i bought it, then please don't touch (don't touch)"

Morre o filósofo francês Jean Baudrillard

O filósofo e sociólogo francês Jean Baudrillard morreu nesta terça-feira em sua casa, em Paris, aos 77 anos, de câncer.
Considerado um dos principais representantes do pensamento pós-modernista, Baudrillard causou polêmica com seu conceito de hiper-realidade.
O filósofo argumentava que o espetáculo é crucial na formação de nossa visão dos eventos - as coisas não acontecem se não são vistas.
Baudrillard centrou seu trabalho em como a consciência interage com a realidade e a fantasia, criando uma cópia do mundo que ele chamou de hiper-realidade.
O filósofo dizia que a comunicação de massa leva à hiper-realidade, tornando-se uma força dominante no mundo atual - um argumento levado ao extremo em sua declaração de que a Guerra do Golfo de 1991 "não aconteceu". Segundo ele, a guerra ocorreu primeiramente em um nível simbólico.
Baudrillard afirmava que, como muito pouco havia mudado politicamente no Iraque após o conflito, todo "o som e a fúria" significavam pouco.
Uma década depois, voltou a causar polêmica em seu ensaio O Espírito do Terrorismo, de 2002, ao descrever os ataques do 11 de Setembro como "o acontecimento absoluto".
Para ele, não se tratava de um choque de civilizações ou religiões, e sim da reação "simbólica" à contínua expansão de um mundo baseado unicamente no intercâmbio comercial.
Segundo Baudrillard, o que faz do 11 de Setembro o "acontecimento absoluto" é o fato de ser o cenário onde a triunfante globalização combate a si mesma, e "as torres caem por seu próprio peso".
Nascido em Rheims em uma família de camponeses, Baudrillard estudou alemão na Sorbonne e chegou a trabalhar como professor e tradutor. Ele lecionou sociologia na década de 1960.
Entre suas principais obras também estão "O Sistema dos Objetos" (1968), "A Sociedade de Consumo" (1970), "Simulacros e Simulações" (1981) e "América" (1997).

sábado, março 03, 2007

São sete e cinquenta e nove e eu tento arrumar minha mala. Meia garrafa de vinho e um pedaço de pizza. Melhor desistir de tudo e ficar por aqui, penso eu, que sempre tive preguiça dos eternos encaixota-desencaixota da minha vida. Não. Já passou da hora de fazer as malas.
Ontem pela primeira vez peguei a Lara no colo e vi que estou muito feliz. Tem alguém na minha vida que quer de mim exatamente o que eu posso dar. E ela sorri o tempo todo. Entre um cochilo e outro.
Ontem consegui sentar num boteco estranho com pessoas estranhas e música estranha e pensar "que diabos eu estava fazendo até agora?!". Depois de muito tempo, me vi conversando sobre coisas minhas com gente que eu acabei de conhecer, assim como eu era há cinco anos atrás. E ainda me vi cogitando a frequentar samba de raiz e o show do Cordel do Fogo Encantado, porque conheci uma menina como poucas, como eu.
Ontem quase liguei pra minha melhor-amiga-irmã. Me deu vontade enorme de ir fazer compras com ela. Mesmo se ela aparecesse com uma faixa na cintura. Mas agora a gente discute compras de sapatos, rombos financeiros, confusões masculinas e cores de cabelo por e-mail. Contando com a ajuda do Grande Irmão que controla o meu recebimento (ou não) deles.
Ontem juntei o que restava do que acabou. O que dava pra rasgar, foi rasgado, o que dava pra jogar fora, foi pro lixo e o que era pra ser devolvido, foi deixado na portaria. Entrei no carro e, pela primeira vez em muito tempo, senti que estava fazendo a coisa certa pra mim.
Agora estou aqui, sem saber quais livros por no fundo da caixa, quais roupas vou precisar primeiro...
Tudo parecia distante e difícil... bem, agora... tão perto.
Certeza só a de que estarei calçando minha sapatilha de oncinha...
e que tudo de ruim vai ficar por aqui...

quinta-feira, março 01, 2007

Engraçado como, às vezes, uma conjunção cósmica-cármica, faz com que se ache, nas palavras de outro, tudo aquilo que você queria escrever, mas que anda com tanto nojo que se tentar vai vomitar nas teclas.
Ai, você abre uma revista e lá está "O amor acaba" do Nava... ou um texto antigo da Tati... ou sua melhor amiga pensando exatamente na mesma coisa que você, mesmo estando longe-longe...
De repente, não é só você que quer berrar a plenos pulmões um "espero que você morra". Um berro sincero. "Talvez fosse melhor nem ter te conhecido porque isso tudo foi um puta atraso de tempo". Se bem que atraso, não. Perda!!! Porque a babaca aqui (assim como tantas outras pessoas que se arriscam a gostar de alguém) perdeu um tempo que não tem volta. No meu caso, foram quatro anos e meio. Eu não vou voltar a ter 21 anos... nunca mais... Eu nunca mais vou gostar de tomar café expresso de madrugada. Eu nunca mais vou ouvir o Johnny Cash da mesma meneira (mesmo tendo adquirido três cds)... Roberto Carlos então... Acho que nunca mais...
Mas eu também nunca mais vou cair nessas lorotas, nessas mentiras que as pessoas ruins contam.
Nunca mais caio no maldito continho do olho verde.
Hoje de manhã, depois de uma garrafa de vodka, algumas gotas de rivotril e muuuuuita música ruim, cheguei a conclusão de que não devo e não posso mais perder mais nem um segundo. Cada segundo que passa, plin, estou mais velha!!!
E pronto! Hoje começou tudo de novo; do zero. Passei por uma espécie de lobotomia tipo Brilho Eterno de uma mente sem lembranças e meu mundo começou de onde parou: Junho de 2002. Mesa do Antonio´s com a Cris. De lá pra cá, uma lacuna que eu não sei o que foi.
Mas é um álivio!
É bom saber que nunca te conheci.
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Aniversário da sua ausência - Tati Bernardes
A gente quase completou um ano de namoro, quase. Faltou um mês ou um pouquinho mais, não lembro. Mas hoje, sem mais nem menos, completamos um ano de separação.
Ano passado essa hora, exatamente a essa hora, eu lembro bem. Eu estava no show do U2 que você não quis ir comigo e me ocupava em perguntar, de dez em dez segundos, e de dez em dez pessoas, quando é que você iria me ligar e dizer que tinha pensado melhor. Quando?
Você nunca ligou, nunquinha. E eu esperei, esperei, esperei tanto tempo, nossa, como eu esperei. Acho que eu nunca esperei tanto nada em toda a minha vida. Outro dia a Myla me perguntou o que você tinha me ensinado. A gente estava conversando sobre os legados que as pessoas deixam em nossas vidas e ela quis saber qual tinha sido o seu. O coiso me ensinou a gostar de MPB e cinema europeu, o outro coiso me ensinou a gostar de sexo e restaurante caro. Teve o coisinho que me ensinou a ser engraçada e jogar frescobol. E você? Que raios me ensinou? Fiquei sem saber na hora, fiquei sem saber o que responder para a Myla. Mas hoje, no nosso aniversário de um ano separados, posso dizer que foi você quem me ensinou a lição mais importante da minha vida: você me ensinou a sofrer. Eu nunca, nunca, em vinte e sete anos de vida, tinha sofrido. Nunca. Claro, eu odiava ver meus pais quebrando o pau quando era criança, mas eu lembro que eu, pequenininha, pensava: um dia um príncipe vai me levar para longe dessa casa com gente louca que fuma demais, berra demais, desmaia e chuta vasos. Eu sofri também na escola, quando para alguém me enxergar eu tinha de promover bizarrices. Mas eu era muito nova para me separar das bizarrices e acabava também chamando a minha atenção: será que eu sou bizarra? Depois, em casa, quando eu dobrava direitinho o uniforme para o dia seguinte e me sentia um papel de parede bege que ninguém entende pra que serve, eu pensava: um dia um príncipe vai me levar pra longe dessa falta de vida, dessa falta de beleza, dessa falta de compreensão, dessa falta de cor, dessa falta de sei lá o que porque eu era novinha demais pra saber o que faltava. Esperar o raio do príncipe sempre disfarçou minha dor, sempre me refugiou dela. Mas quando você, no dia 20 de fevereiro de 2006, me mandou seguir meu caminho sozinha, fiquei sem saber como fugir da dor. Você era meu príncipe. Depois de tantos amores estranhos, pequenos, errados e tortos, finalmente eu tinha reconhecido no seu olhar centralizado e no seu sorriso espalhado, o meu príncipe. E o meu príncipe estava me dando o fora. Que porra eu ia esperar da vida agora? Quem iria me levar para longe se você não me queria mais por perto? Não teve como. Foi a primeira vez na vida que não consegui me enrolar e acabei deixando a dor vencer. Pela primeira vez a realidade falou mais alto que a fantasia. Pela primeira vez a realidade da sua ausência falou mais alto que a fantasia de anos a sua espera. Sofri pra caralho, como diz por aí quem sofre pra caralho. Mais do que livros cabeças, músicas bacanas, frases inteligentes, lugares descolados ou posições sexuais, você me ensinou o que realmente importa aprender nessa vida: que a vida pode ser uma grande, imensa e gigantesca merda. É, ela pode ser. E que não existe porra de príncipe porra nenhuma. Que nem ninguém e nem nada pode te levar para longe de nada. É isso e pronto. E é assim pra todo mundo. E pronto. Qual o drama? A dor infinita dos dias infinitos que vieram depois do dia em que você se foi pra sempre veio misturada com toda a dor que eu não senti em todos esses anos. A dor do seu pé na bunda trouxe vasos jogados, bitucas eternas de cigarros em longas discussões pesadas, tardes perdidas em odiar o mundo, cabeças viradas, corredores frios, papéis de parede beges e grupinhos festivos e fechados. A nossa dor acabou sendo toda a dor que fazia fila em mim para ser sentida. E já que a porta pra realidade estava aberta, por que não sofrer também pelas criancinhas carentes, os países em guerra, a estupidez humana e a dor das juntas da minha mãe? Por que não sofrer pela condição das favelas, das prisões e da Terra? Por que não temer o aquecimento global, o ácido dos limpadores de vidro na Henrique Schaumann e as frases do Clodovil? A dor da sua partida trouxe toda a dor do mundo. De uma só vez. Mas agora já passa da meia noite. Não é mais nosso aniversário de fim e, pra te falar a verdade, eu já não sofro mais o nosso fim faz tempo. E pra te falar ainda mais a verdade, eu acho mesmo que você foi o príncipe que eu esperei a vida inteira. Você chegou e me levou embora. Levou embora a menina que tinha medo de sentir a vida e esperava uma salvação para tudo. Quem sobrou é essa desconhecida que se conhece muito bem em suas bizarrices, lê jornais todos os dias, substituiu o bege pela cor do verão, tem uns pais gente boa ainda que malucos, adora os poucos e estranhos amigos, não espera mais pelo cavalo branco mas fica ansiosa pelo início da novela e talvez esteja pronta para amar de verdade. Amar um homem e não um príncipe.