.:: o fantástico destino de lady mi - parte 3 ::.

"Posso escolher entre ser constantemente ativa e feliz ou introspectivamente passiva e triste. Ou posso ficar louca, ricocheteando no meio" Sylvia Plath

terça-feira, novembro 07, 2006

Por esses dias sou só citações... entenda quem quiser...
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"E que farias tu da vida, sem a tua companheira de martírio?... Onde irás tu aviventar o coração que a desgraça te esmagou?!... Rompe a manhã... Vou ver a minha última aurora... a última dos meus dezoito anos. Oferece a Deus os teus padecimentos, para que eu seja perdoado... Mariana..."

Mariana colocou os ouvidos aos lábios roxos do moribundo, quando cuidou ouvir o seu nome.

"Tu virás ter conosco; ser-te-emos irmãos no céu... O mais puro anjo serás tu... se és deste mundo, irmã; se és deste mundo, Mariana..."

A transição do delírio para a letargia completa era o anúncio infalível do trespasse.

Ao romper da manhã apagara-se a lâmpada. Mariana saíra a pedir luz, e ouvira um gemido estertoroso. Voltando às escuras, com os braços estendidos para tatear a face do agonizante, encontrou a mão convulsa, que lhe apertou uma das suas, e relaxou de súbito a pressão dos dedos.

Entrou o comandante com uma lâmpada, e aproximou-lha da respiração, que não embaciou levemente o vidro.

- Está morto! - disse ele.

Mariana curvou-se sobre o cadáver, e beijou-lhe a face. Era o primeiro beijo. Ajoelhou depois ao pé do beliche com as mãos erguidas, e não orava nem chorava.

Algumas horas volvidas, o comandante disse a Mariana:

- Agora é tempo de dar sepultura ao nosso venturoso amigo... É ventura morrer quando se vem a este mundo com tal estrela. Passe a senhora Mariana ali para a câmara que vai ser levado daqui o defunto.

Mariana tirou o maço das cartas debaixo do travesseiro, e foi a uma caixa buscar os papéis de Simão. Atou o rolo no avental, que ele tinha daquelas lágrimas dela, choradas no dia da sua demência, e cingiu o embrulho à cintura.

Foi o cadáver envolto num lençol, e transportado ao convés.

Mariana seguiu-o.

D0 porão da nau foi trazida uma pedra, que um marujo lhe atou às pernas com um pedaço de cabo. O comandante contemplava a cena triste com os olhos úmidos, e os soldados que guarneciam a nau, tão funeral respeito os impressionara, que insensivelmente se descobriram.

Mariana estava, no entanto, encostada ao flanco da nau, e parecia estupidamente encarar aqueles empuxões que o marujo dava ao cadáver, para segurar a pedra na cintura.

Dois homens ergueram o morto ao alto sobre a amurada. Deram-lhe o balanço para o arremessarem longe. E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram, e ninguém já pôde segurar Mariana, que se atirara ao mar.

A voz do comandante desamarraram rapidamente o bote, e saltaram homens para salvar Mariana.

Salvá-la!...

Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte mas para abraçar-se ao cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços.

Camilo Castelo Branco